Mas afinal, por que o príncipe alcançou um status tão contestável? Porque o filósofo ganhou a infâmia de ter seu nome como alcunha da mais pura maldade e perversão?
O Autor
Nascido em Florença no ano de 1469, Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, foi um filósofo ligado a escola renascentista. O autor viveu a juventude sob o apogeu da República Florentina, governado então por Lourenço de Médici. Entrou para a política aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria, um cargo relacionado a política exterior, nessa posição estratégica, Maquiavel em todo o seu engenho, foi adquirindo a experiência prático e descobrindo os fundamentos da vida política da época.
A Obra
Antes de tudo, é mais do que desejável recitar a própria frase de Maquiavel que surge logo no prefácio, dedicado ao príncipe Médici:
"....Não ornei este trabalho, nem o enchi de períodos sonoros ou de palavras pomposas e magníficas, ou de qualquer outra figura de retórica ou ornamento extrínseco, com os quais muitos costumam desenvolver e enfeitar suas obras; e isto porque não quero que outra coisa o valorize, a não ser a variedade da matéria e a gravidade do assunto a tornarem-no agradável..."Essa é a essência de o príncipe, Maquiavel não perde tempo com ornamentos, com poesia e palavras bonitas, nem o enche de idealismo, a marca essencial de o príncipe é o fato de ser a primeira obra de ciência política da história.
Maquiavel, antes de tudo, abre mão de filosofia (embora não a abandone) e trata a perspectiva do poder de um ponto de vista realista, sua linguagem não poder ser menos nua e crua, assim como Da Vinci estava dissecando cadáveres e mostrando as podres entranhas do corpo humano, Maquiavel abriu o cadáver da política e demonstrou as coisas que as pessoas fingiam não ver ou simplesmente não compreendiam. Assim como Smith fez futuramente, ao estabelecer os parâmetros da economia, mostrando o mundo ao seu redor, e mostrando suas leis, Maquiavel abriu a porta para a ciência política.
O príncipe foi a primeira obra que não se comprometeu a dizer como a polícia deveria ser, vários o fizeram antes e voltariam a fazer depois, Maquiavel disse como era o mundo de sua época. Pela primeira vez, a filosofia havia de desprendido, embora não por completo da filosofia e adentrado no campo da ciência empírica.
O príncipe não é somente um livro, ele é a anatomia do poder, desde sua origem até sua manutenção, uma análise fria e realista, segundos alguns, até amoral, praticamente um guia para se conquistar e manter os principados.
Em 26 capítulos, a obra começa com uma análise referente as formas de governo, o autor passa dos principados, que divide em subcategorias, no caso, hereditários, mistos, civis e eclesiásticos. Maquiavel descorre também sobre questões relacionadas a conquista, como o príncipe deve relacionar-se com seu exércitos, com o povo que acabou de conquistar. Maquiavel, utiliza de exemplos práticos da história para ilustrar sua tese, o autor parte de Alexandre, e a maneira como os sucessores de Alexandre perderam suas conquistas, até exemplos como Ciro, Dário, Alexandre Borgia (por quem Maquiavel demonstra imenso respeito) e as conquistas papais, levando sempre para o período histórico onde ele estava inserido.
Nos capítulos finais, Maquiavel trata sobre a questão não da conquista, mas da manutenção da administração e é aí que a polêmica realmente começa. Ao deliberar sobre as virtudes do príncipe, o autor demonstra uma visão que gerou uma incompreensão por parte dos leitores, que logo confundiram a intenção de Maquiavel a de fazer um ode a tirania, mas longe disso, Maquiavel faz uma análise calculista das ações dos nobres e suas virtudes.
Ao longo da história, muitos trataram a moral e política como pontos inseparáveis, e foi esse rompimento que marcou o maquiavelismo, a restruturação da ligação entre a virtude política e a virtude moral. O autor não titubeia em dizer que um governante deve cometer atos imorais, visando a prática da política e manutenção do poder. Para melhor administrar, vale conspirar, mentir e até matar, essa ideia levou a associação de Maquiavel a uma máxima que o próprio jamais cita: os meios justificam os fins.
Precisando, portanto, um príncipe, de saber utilizar bem o animal, deve tomar como exemplo a raposa e o leão: pois o leão não é capaz de se defender das armadilhas, assim como a raposa não sabe defender-se dos lobos.Entre pontos polêmicos da obra podemos citar:
Maquiavel diz que um príncipe não deve temer a alcunha de miserável, que deveria inclusive aumentar os impostos, dessa maneira, o estado seria rico, o que permitiria ao príncipe ser generoso quando assim o desejar.
Em outra parte o autor afirma que o príncipe deve ser antes temido do que amado, já que para evitar traições, o temor da punição severa é mais eficaz do que a amizade.
A morte de um bandido apenas faz mal a ele mesmo, enquanto a sua prisão ou o seu perdão faz mal a toda a sociedade que lhe rodeia, por tanto, o príncipe deve ser cruel quanto a pena, para garantir o temor ao que contra ele e seu povo se mostrarem um problema.
Um príncipe deve ser dissimulado, quando a situação assim ó desejar, mas jamais deve deixar transparecer, um governante deve quebrar a sua palavra quando lhe for necessário, mas não deixe que isso mache a sua imagem, que deve ter a si sempre associada as 5 virtudes essenciais, ser piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso.
Veredito
Poucas obras são tão má compreendidas quanto o príncipe, é difícil fazer juízo da mesma se ficar preso ao anacronismo. Ora, já deixou claro A.D Sertillanges, o intelectual pertence ao seu tempo, não podendo ser desvencilhado do mesmo.
Para ler e compreender o príncipe é necessário que o leitor venha de coração aberto e compreenda que o autor é um filho da época, mas antes disso, entender que o livro é puramente científico, isso que o torna tão essencial.
Muitos autores pré-maquiavel tinham montado doutrinas ou tentado entender o poder, mas nunca, nenhum tinha aberto a anatomia do estado e feito uma autópsia de tudo o que há de mais cruel e imoral no poder, isso Maquiavel faz como nenhum.
Digo mais, temendo receber as mesmas represálias, poucos homens se aventuraram a adentrar em um realismo ao nível de Maquiavel.
Essa obra se faz essencial por si mesma, é anacrônica, resguardando os valores de cada época, o príncipe traz lições que até hoje são basilares da vida política, para o bem ou para o mal.
Infelizmente, assim como se fez mal interpretação de Maquiavel, se fez também a perversão, não é raro encontramos referência a Maquiavel em discursos disturbados sobre administração e liderança, tentando extrair a essência de o príncipe e relativizando a obra.
Maquiavel fez por merecer se tornar uma ofensa? Não, acredito que a história fez mal veredito dele, precisamos rever e entender as entrelinhas de tão singular obra, antes de ser cruel, ela é a mais realista obra de seu tempo, uma anatomia não só perfeita da política de seu tempo, mas uma compreensão interessante do processo que levou ao estado moderno.
Então finalizo dizendo, abra seu coração, se livre das amarras do preconceito cronológico, entregue-se ao mais singular tratado político do renascentismo, quiçá da história.
Garanto que não se arrependerá, garanto mais ainda, se o fizer, passará a entender melhor o mundo que nos rodeia.
Sem dúvida uma leitura obrigatória, principalmente para os que querem se jogar na dura estrada da liderança.
Ad Veritatem!
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